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{MEMÓRIA DE UM SOBREVIVENTE NORDESTINO}

Antônio conte-me sua história.
Em 06 de outubro de 1949 no município de Assaré num lugarejo denominado, sitio São João às duas horas e quarenta e sete minutos nascia eu, Antônio Laurentino Sobrinho, filho de Antônio Laurentino Soares e de Maria Cândida Soares. Aquela noite o sertão estava todo em chamas, eu já estava 9 meses no ventre da minha saudosa mamãe e estava cansado de comer e dormir, então chamei minha mamãe.
- Já está na hora de sair daqui mamãe!
- Não meu filhinho, agora não.
- Sim mamãe, eu quero conhecer meu paizão, e meus irmãos enfim toda minha família!!,
- Está bem, vou chamar seu pai.
-Toninho, nosso menino já está querendo nascer, vai chamar a comadre Joaninha.
- Já estou indo disse meu papai.
Ele saiu correndo para o outro lado da casa, já tinha um cavalo chamado de espalha brasa,que estava em um cercado ao lado da casa pronto pra sai em bucada da parteira,quando deu por si já estava , montado em seu cavalo chamado Espalha Brasa e saiu em desabalada carreira para a casa da comadre Joaninha. Só se ouvia tilintar das esporas, e ou fogo saindo das pedras dos cascos do Espalha Brasa.
Apesar do calor daquela noite, o sertão estava lindo, era noite de lua nova, o céu estava todo iluminado, as corujas piavam pra meu paizão como se falassem a ele: vai em frente, apesar da seca, tinham alguns pés de juazeiros flóridos, com suas minúsculas flores brancas perfumadas, e quando o vento soprava, o perfume das flores perfumavam todo o sertão.
- Como foi encontro com a parteira Joaninha?
- Quando meu pai chegou à casa da comadre disse:
- Ô de casa! E a comadre Ô defora compadre respondeu:- Ô de fora!, quais são as novidades?
E o meu pai falou comadre  o menino esta chegando. a comadre rapidamente foi pegar o seu cachimbo.
Ele montaram na garupa do cavalo e saíram correndo em direção ao nosso casebre.
-Como foi à chegada da parteira Joaninha?
A parteira pediu para a minha mamãe ficar calma que o menino já vai vir ao mundo....
-Tá bom comadre.
- Compadre a tesoura já tá limpa?
- Sim comadre, não demorou muito e eu já estava nos braços da mamãe, chorando, cansado e com muita fome. Fui logo querendo mamá, meu saudoso paizão foi ao canto do quarto pegou uma reúna velha enferrujada, foi ao meio do terreiro e efetuou um disparo pro ar que o todo o sertão estremeceu.aquele era um costome do sertanejo de avisar aos parentes e amigos o nascimento de um filho,
-Antonio como foi seu primeiro dia entre os seus familiares?
- Ah! Foi maravilhoso, ao amanhecer o dia, a casa estava em festa, eu ouvia as pessoas conversando, os avós todos corujas diziam: Ah! Como ele é lindo!!!!
- E você como reagia a toda aquela alegria?
- Numa boa, eu ainda estava cansado, só queria saber de mama e dormir.
- Sua mãe como estava?
- Na medida do possível estava bem, eu não era o primeiro filho.
- Antonio por que você colocou o título das suas memórias é um sobrevivente nordestino?
-Porque quando eu nasci não era difícil nascer, o impossível mesmo era sobreviver. Quando não se morria nos primeiros dias se morria nos primeiros messes, era fatal. Era só uma questão de tempo.
- Você teve problemas de saúde na sua infância?
-Sim, vários, como sarampo. Quase que fui para os quiabos, lá se morria de doenças que hoje em dia não matam mais bebezinhos. Naquela época as crianças morriam com as picadas de mosquitos, morria-se de caganeira porque não tinha soro caseiro. Nós éramos vítimas dos políticos, corruptos ladrões de vidas alheias, vidas inocentes.
- Antonio você tem alguma revolta?
-Como eu gostaria de falar para os algozes dos meus irmãos nordestinos, bando de políticos ladrões, coronéis ceifadores de vidas inocentes, tenho certeza de que um dia vocês vão queimar no mármore do inferno, junto com os aloprados dos mensalões, mensageiros do trem da alegria deles, e falta de escolas, hospitais, estradas, segurança, transposição não só do velho Chico, mas transposição de ética para políticos sanguessugas. Não gosto de falar muito dessa corja. vamos falar de outras coisas.
-Antônio como foi sua infância?
-Foi muito pobre, mas com muita dignidade, os três primeiros anos de vida foram muito difíceis, o sertão estava todo em chama como nos dias atuais. Quem é contra a transposição, do rio São Francisco é porque nuca tomou água com urina de jumento e de outros bichos, mas vive em gabinetes com ar condicionado e torcendo para que a seca continue alimentando a indústria da miséria para poder assaltar os cofres públicos voando de jatinho para Brasília, Dubai, e Paris.
- Antônio e pra tomar banho, como fazia?
- Não fazia, não tinha água nem pra beber, imagine pra tomar banho; só quando íamos à cidade. As vacas magras amanheciam os dias nas portas dos donos, olhando pra gente, só faltavam pedirem água e comida. É muito doido pra um ser humano ver um animal morrendo de fome e sede, e não poder fazer nada. Nós tínhamos umas vaquinhas lindas, eram nossas mães de leite. Ainda lembro os nomes de algumas delas, Mimosinha, Riachão, Corneta, Cambraia e Espacinha.
- E os anos seguintes, como foram?
-Foram bem melhores. Tinham muitas crianças, o sertão estava em chama, nossos avós organizava conosco 19 noite de novena, todos os filhos, netos e vizinhos ficavam juntos pra fazer umas novenas para São José. Íamos todos cantado de casa em casa a seguinte letra: Meu divino São José, aqui estou em vossos pés, manda chuva com bonanças, meu Jesus de Nazaré. Nossa Senhora pediu nossa Senhora rogou pedido a vosso filho, tem dó dos pecadores e assim se repetia durante 19 noites.
Cada noite era em uma casa, a última era na casa dos meus avós paternos. A última esperança era dia 19 de março se não chovesse eram mais tristezas e calamidades; mas milagre ou coincidência, aquele ano foi um inverno maravilhoso. O sertão estava morto e pelado. Começaram as chuvas, com 15 dias o sertão já estava tudo muito lindo... os pássaros todos cantado se aninhando, namorando, os sertanejos cantando, marcando casamentos, muitas festas, as crianças, e mais crianças nascendo a toda hora, brincando nos açudes, era felicidade quase total .
-Antônio tinha escola?
- Não, como já falei as escolas não estavam nos planos dos políticos, pois quanto mais gente desinformada, analfabeta melhor é pra a classe de políticos corruptos. Assim eles se perpetuam no poder. As eleições eram todas forjadas, eles não precisavam de voto de matuto, uma meia dúzia de votos era suficiente pra eles manobrarem o sistema. Aqueles que sabiam assassinar o próprio nome os coronéis colocavam os cabrestos e diziam como deveríamos votar se era assim ou assado, e ai daquele que ousasse contestar um corrupto daquele, no outro dia virava um Fabiano qualquer da história de Graciliano Ramos em Vidas Secas.
- Antônio você falou pouca da sua infância.
Claudia minha infância na medida do possível foi razoável, pois quando estava chovendo o lugar de menino era na roça com os pais, a gente trabalhava, mas era divertido, nos finais de semanas todos os primos se reuniam, nas brincadeiras no açude, era muito divertido, quando não chovia não tinha trabalho, mas em compensação também, não tinham brincadeiras no açude, pois não tinham água. Foi assim durante 13 anos, na minha infância,quando não tinha água, tudo era seco e triste, parecia que o sertão estava morto, pegando fogo não havia nada verde, era tudo sem vida, parecia um deserto, era cabra velha berrando, porca magra rocando, cavalo magro entrambicado de fome, vaca magra urrado, jumento velho relinchando, bode novo magro berando,pois não tinha água pra beber, cachorro magro procurando preá pra comer, galinha pelada ciscando ,pinto novo piando, mulher velha rezando, homem magro chorando, pois em casa não tinha comida para dar aos filhos, era mulher nova parida, recém nascido morrendo de caganeira pois sertanejas analfabetas não conheciam o milagre do soro caseiro, pois todos éramos vítimas dos políticos corruptos, ladrões dos cofres públicos e também de vidas humanas recém nascidas. Assim foi a minha infância.
- Antonio, quando você foi à cidade pela primeira vez e qual o nome dela?
- Fui à cidade de Assaré quando eu tinha 12 anos de idade, minha tia Santinha morava lá e era muito católica, toda primeira sexta-feira do mês ela ia à cidade, convidava um sobrinho pra ir com ela, a cidade era 12 km a pé, era pra pagar todos os pecados do presente, passado, futuro. Mas era melhor do que trabalhar no roçado, andávamos o dia todo. Chegava lá pelas 4 horas na casa de um amigo, descansava um pouco, lavava os pés com águas salobras. Às 6 horas íamos a igreja a assistir a hora da Ave Maria, a primeira vez fique encantado, era pra mim como um conto das fadas que minha tia santinha contava.
A igreja era linda, toda enfeitada, com flores de bulgari brancas super perfumadas. Lá eu ouvi pela primeira vez uma música tocada, num órgão da igreja, era Ave Maria de Franz Schubert e fiquei deslumbrado, era bela, fiquei pasmo com as cadeiras, acolchoadas com veludo vermelho, todas bordadas com o suposto nome das famílias. Foi a primeira vez que vi cadeiras tão bonitas, fiquei louco para sentar naquelas cadeiras, mas sabia que não poderia, pois aquelas cadeiras eram da burguesia avarenta da cidade. Nessas cadeiras só quem poderia assentar-se nelas era só as famílias donas das mesmas.foi a primeira vez que foi descriminado,por não poder me assentar em uma cadera, Como eu gostaria que toda esta história que estou te contando fosse uma dramaturgia, mas é a mais pura verdade.
-Antonio você tem algum ressentimento?
- Não Claudia, este tipo de gente é digna de dó, pois na atual sociedade moderna, não há lugar pra eles.
-Antônio como você sabia que aquela música era Ave Maria de Franz Schubert?
-Eu não sabia Claudia, só depois de muitos anos descobri, que aquela linda música era a verdadeira beleza, era um ícone dos clássicos mundial. Esta história, é a narrativa dos meus 13 anos de vida num sertão cearense ...
-Antônio você já foi lá novamente?
- Sim Claudia, depois de trinta anos foi lá novamente. A cidade estava linda, lembrei-me de tudo, passou um filme na minha cabeça.
-Antônio durante nossa conversa eu percebi que você é um saudosista.
Sou um saudosista inveterado do estado do Ceará e pela cidade de São Paulo.
-Antônio foi um grande prazer conversar com você. Aprendi muito, obrigado.
- Claudia eu também gostei muito, foi gratificante ser entrevistado por você.
Obrigado até a proxima afetuosos  abraços fraternos os leitores...








 
Antonio Laurentino Sobrinho
Enviado por Antonio Laurentino Sobrinho em 07/01/2013
Alterado em 15/02/2018
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